Waterford School era um colégio interno na melhor linha de educação inglesa localizado

em Mbabane, Suazilândia, então um pequeno protetorado inglês enclausurado entre Moçambique e a República da África do Sul. Para entender como este instituto educacional entrou na minha vida (entrei em setembro de 1966), é preciso voltar um pouco na história.
Moçambique era uma província portuguesa há séculos, desde sua descoberta por Vasco da Gama em 1498.

No início da década de 1960 as primeiras colônias africanas (Tanzânia e Quênia) ganharam sua independência da Inglaterra e não tardou para que as províncias portuguesas na África quisessem seguir o mesmo rumo. Mas longe dali o regime do ditador Salazar em Portugal não tinha ouvidos para essas questões.
Formou-se um movimento pela independência chamado Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) com sede em Dar-es-Salaam, capital da Tanzânia, país vizinho e simpatizante à causa. Por vários motivos,

os líderes da Frelimo estavam convencidos que a luta pela independência teria que ser armada e assim iniciou-se uma longa guerra no norte do país que chegou a engajar mais de 7.000 guerrilheiros financiados pela China e pela União Soviética e 60.000 homens do exército português, a "tropa" como era conhecida.
O tempo de serviço no exército era de 4 anos e meio e o número de soldados mortos era substancial. E foi para evitar o recrutamento pelo exército português que meus pais me colocaram para estudar fora do país e assim fui parar em

Waterford, a cerca de 4 horas de carro de LM e perto de Oshoek, posto de fronteira entre a Suazilânida e a África do Sul.
Junto com meia dúzia de outros moçambicanos, estudei lá dos 13 aos 17 anos. Foi uma época maravilhosa como viria a reconhecer pelo resto da minha vida. Apesar da disciplina rígida, a rotina variada e as sólidas bases da educação inglesa ofereciam um excelente equilíbrio entre a liberdade e os limites que a adolescência pediam.
O colégio era localizado perto do topo de uma pequena montanha a uns 7 km da capital Mbabane e havia sido fundado como uma iniciativa arrojada numa época em que o
apartheid era lei na vizinha Áfica do Sul. Brancos, mulatos, asiáticos e negros não se deveriam misturar. Era lei. E sujeito a prisão.
Em Waterford, éramos acordados às 06.00, obrigados a tomar uma chuveirada e depois íamos para o
breakfast. Em seguida, havia sempre um
morning assembly onde se anunciavam

eventos e notícias. Depois tinhamos 5 aulas, todas com 40 minutos de duração. Almoço, pequeno descanso e de tarde aulas práticas no laboratório, atividades esportivas (futebol, cricket, hóquei de campo ou atletismo), jardinagem ou, em caso de chuva, ajuda na biblioteca.
Todos os alunos tinham tarefas semanais : varrer o dormitório ou as salas de aula, colocar pratos e talheres nas mesas, limpar o refeitório. Às 5 da tarde dos domingos todos éramos obrigados a escrever uma carta para os pais, nosso meio de manter comunicação com a família, já que ficávamos distantes do mundo externo por periodos de 3 meses e o único telefone disponível funcionava literalmente a manivela.
Com esta fórmula simples e tradicional e bons professores, este colégio conseguiu prover aos seus alunos uma educação excelente.

De lá saíram ótimos alunos não só academicamente como também seres humanos honestos, responsáveis, companheiros e íntegros. O ambiente no colégio era muito bom e acredito que a maioria dos alunos tenham carregado durante suas vidas maravilhosas recordações desse tempo.
Fotos : Phoenix, o símbolo de Waterford, mapa da Suazilândia, alunos na foto anual de 1967, primeiro dia na escola (Xico Meirelles, Mario Suakay, eu e David Mun), com minha avó Rose numa das salas de aula e o cricket team de 1970.